terça-feira, 9 de maio de 2017

Pérolas Históricas de Esmoriz IX - A origem dos nomes que ainda hoje fazem história

"O que é que há, pois, num nome? Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem".


William Shakespeare
(Poeta e Dramaturgo Inglês, 1564-1616)



As origens do nome de Esmoriz


Esmoriz reivindica uma designação toponímica invulgar, cujas origens já motivaram inclusive inúmeras interpretações ao longo dos últimos anos. Apesar de existir mais um punhado de terras no Noroeste da Península Ibérica que adoptaram esta mesma designação ou outra similar (por exemplo: temos os lugares de Esmoriz em Marco de Canaveses e em Baião, a localidade de Esmeriz no concelho de Famalicão, e ainda outros espaços com a mesma relação toponímica na Galiza), a verdade é que ainda não há consenso quanto à sua pertinência nominal.
A primeira teoria da qual se fez eco e que chegou a encher alguns dos pequenos roteiros que chegaram a ser distribuídos pela nossa terra durante a época balnear dos anos 90 remetia-nos para uma origem romana, alegando que naquela época Esmoriz seria uma villa romana conhecida pelos nomes de "Hermeriz" ou "Ermeriz". Contudo, nunca houve prova documental que sustentasse esta tese. Além disso, o nome não parece reclamar uma origem latinizada, o que nos obriga a procurar outras explanações.
A segunda tese provém da obra "Esmoriz e sua História" da autoria do Padre Aires de Amorim. De acordo com este erudito, a proveniência do nome da nossa terra advinha dos tempos da Reconquista ou Presúria Cristãs, quando os cavaleiros Gundesindo Éris (deste falaremos mais à frente neste artigo) e Ermerico assumiram algum protagonismo regional no ramo nobiliárquico. Todavia, esta interpretação merece-nos também alguma renitência. Se é indiscutível a existência de Gundesindo Éris, o qual inspiraria a designação posterior de Gondesende, a verdade é que, por outro lado, não conseguimos desvendar qualquer registo medieval que fizesse menção a um cavaleiro cristão influente chamado Ermerico. Não duvidamos que este nome de origem germânica tivesse identificado vários combatentes cristãos da época em questão, mas nenhum daqueles que combateram na Península Ibérica, e mais concretamente nesta região do Noroeste Peninsular, teria assumido uma relevância considerável, ao contrário do que havia acontecido com Gundesindo Éris, Conde de Lugo.
E por isso, chegámos então à terceira tese, cuja proposta partiu, em verdade, da nossa parte. Efectivamente, Esmoriz parece advir do nome de Ermerico. Mas este não seria um cavaleiro cristão, tratando-se antes do primeiro rei suevo na Península Ibérica, aquando do processo de desintegração do Império Romano. Esta tese pode ser argumentada de múltiplas formas. Em primeiro lugar, e como já inferimos aqui, o nome conhece uma conotação germânica. Em segundo, (quase) todas as terras e lugares que adoptaram o nome de Esmoriz (ou outra denominação similar) enquadram-se territorialmente no Noroeste Peninsular (Norte de Portugal e Zona da Galiza/Corunha), o qual outrora constituía o domínio geo-político do limitado reino suevo. Além disso, na etimologia germânica, Esmoriz significaria "rei forte", o que reforça a sua associação àquele soberano mítico.
No entanto, esta nossa teoria não é infalível, e reconhecemos que existem pontas soltas, as quais pretendemos um dia mais tarde poder responder. Qual teria sido a ligação do rei Ermerico a Esmoriz? Porque é que a nossa terra pretendeu tomar o seu nome? Como seria Esmoriz enquanto terra integrante do reino suevo? Terá usufruído de privilégios ou gerado até a atenção da corte sueva? O facto de possuir talvez, na altura, a maior lagoa do pequeno reino suevo poderia ter sido suficiente para que Hermerico e seus sucessores tivessem manifestado uma atenção particular?
Apesar de não termos ainda respostas concretas e claras a estas interrogações, há dois dados que gostaríamos de partilhar com os nossos leitores, embora os mesmos estejam longe de serem suportados por qualquer base científica. Dentro deste contexto, tivemos a oportunidade de ler uma vez numa revista cultural (foi uma pena não termos registado o nome da publicação) que as terras suevas, denominadas com o nome daquele rei lendário, seriam consideradas localidades régias que assumiam um conjunto de privilégios únicos que as distinguiam das demais. Se este raciocínio estivesse correcto, Esmoriz seria uma "terra de Hermerico" com autonomia e regalias próprias. Curiosamente, a célebre necrópole, localizada no lugar do Chão do Grilo, insere-se cronologicamente neste período, o que confirma a existência de uma comunidade que talvez tivesse florescido junto ao mar e às margens da Lagoa de Ovil (primeira designação histórica da Barrinha de Esmoriz). Aliás, deduz-se, na actualidade, que essa necrópole ocultará por entre as raízes inquebrantáveis da terra mais de 60 ou 70 sepulturas, embora só 24 tenham sido abertas em 1931, aquando dos trabalhos arqueológicos liderados por Rui de Serpa Pinto. Outra hipótese, embora algo romantizada ou fantasiada, foi levantada no Jornal João Semana pelo erudito Armando Almeida Fernandes. Também ele associaria acertadamente o nome do rei suevo Hermerico à nossa terra, embora tenha proposto que a resignação deste ao trono em 438, por alegados motivos de saúde, pudesse ter feito com que este se tivesse refugiado num lugar mais calmo e idílico de forma a aproveitar os seus últimos três anos de vida (Hermerico falece em 441). Armando Almeida acredita que o soberano suevo poderia ter escolhido a nossa terra e a então maravilhosa Barrinha, como o lugar desejado para o seu repouso derradeiro. Será que a necrópole bárbara do Chão do Grilo, longe de estar totalmente estudada, esconde algum segredo que possa ajudar-nos a compreender melhor a passagem dos suevos pela Península Ibérica?




Imagem nº 1 - Esmoriz poderá ter assumido algum protagonismo no reino suevo, cujas limitadas proporções e o frágil conhecimento histórico impedem-nos de retirar conclusões seguras. Os suevos eram guerreiros audazes, capazes de investidas violentas. A sua implantação na Península Ibérica não foi nada pacífica durante os primeiros anos. Eram considerados menos civilizados que os visigodos.




Hermerico, o rei suevo que terá "baptizado" Esmoriz?


Hermerico foi o primeiro rei dos Suevos na Galécia. Terá reinado aqui entre os anos de 409 e 438. Sobre esta personalidade histórica existem poucos dados. Pelo que pudemos apurar, seria um líder determinado e implacável no campo de batalha. Foi responsável por ter guiado o seu povo desde o Reno até à zona da Galécia (Noroeste da Hispânia) por volta do ano de 409 d. C. Uma experiência migratória que foi decerto arriscada e penosa, visto que tiveram de se debater perante uma jornada cansativa e excruciante, além de enfrentarem inúmeras tribos inimigas pelo caminho.
Este povo "bárbaro" era conhecido pela sua cultura guerreira, tendo causado também depredações terríveis ao longo do seu processo de migração.
Em 410 d. C., Hermerico assina um pacto ou foedus com Honório, Imperador de Roma, de forma a que a Galécia se tornasse num reino autónomo, embora tivesse que prestar vassalagem à dignidade imperial. Travou ainda violentos combates com os vândalos e alanos, outros povos bárbaros que na altura tinham chegado também à Península Ibérica
Este rei dos suevos procurou submeter a população nativa hispano-romana que vivia naquela região peninsular. Houve mesmo registo de confrontos sangrentos.
É ainda mencionado que seria pagão, não nutrindo qualquer afeição pelo cristianismo, nem ariano nem católico.
No ano de 438, e depois de alguns anos de enfermidade, Hermerico toma a decisão então original de abdicar da coroa em favor do seu filho Réquila que seguiu uma política expansionista rumo à Lusitânia e Bética, tendo aumentado consideravelmente os domínios do estado suevo. 
Hermerico terá aparentemente falecido em 441 d. C., isto é, três anos depois da sua resignação, não se conhecendo o lugar onde teria passado os derradeiros dias da sua existência.





Imagem nº 2 - Apesar de ter sido precedido por outros soberanos tribais na Renânia, Hermerico foi o primeiro rei suevo na Península Ibérica, visto que fora responsável pela sua extensa e prolongada migração desde a Germânia até à Galécia.





Mapa nº 1 - A Galécia era a zona dominada pelo reino suevo durante os séculos V e VI, incorporando as manchas territoriais referentes à Galiza e ao actual Norte de Portugal. A capital seria Braga, antiga Bracara Augusta no período romano. Com o fim do Império Romano, todos os restantes domínios da Península Ibérica seriam praticamente assumidos pelos visigodos, exceptuando algumas parcelas ainda tuteladas por bascos e francos. 
Instalados em 409 na Península Ibérica, os suevos seriam finalmente anexados pelos visigados em 585, tendo sido um reino independente por mais de um século e meio.
Créditos - Wikipédia




Gundesindo, o "Conde Devoto" que ainda "sobrevive" em Gondesende


Gundesindo Éris é uma das personagens históricas de outrora, cuja maior parte dos feitos colide com a escassez das informações detectadas nos manuscritos medievais.
Sabemos que terá vivido nos séculos IX ou X, e que era filho de Ero Fernandes (conde de Lugo, senhor de Arões e ainda elemento frequente na corte do rei das Astúrias Afonso III) e de Adosinda. Gundesindo inseria-se no círculo restrito da alta nobreza (é possível que tenha herdado posteriormente o condado de Lugo), e integrava uma família que mantinha um raio de influência interessante na região galega e no norte daquilo que viria a ser mais tarde o reino de Portugal. 
Não sabemos se Gundesindo prestou provas militares no âmbito da Reconquista Cristã (decerto um cenário a não excluir), todavia graças ao seu zelo cristão, promoveu a construção de dois mosteiros importantes na nossa região, de acordo com as informações cedidas pelos eruditos Aires de Amorim e Miguel de Oliveira que elaboraram monografias sobre Esmoriz e Ovar respectivamente.
O Conde Gundesindo e a sua mulher Inderquina Pala fundaram os mosteiros de Sanguedo (na actual Vila da Feira) e de Azevedo em S. Vicente Pereira (Ovar), revelando a sua vocação cristã e inspirados seguramente por uma época em que o fervor religioso era tremendo. O facto da sua filha (Froilo) ter nascido disforme poderá também ter pesado na decisão do casal em fundar tais conventos, porque interpretaram tal ocorrência como fruto dos pecados que haviam cometido (na era medieval, tudo era encarado como um sinal de aprovação ou reprovação divina).
Esta é a história sucinta (mas aquela que é possível fazer) de Gundesindo, que actualmente é recordado com orgulho em Gondesende, lugar que acabou por herdar o seu nome.
Gundesindo Éris não viveu na época suevo-visigótica, ao contrário do Rei Hermerico, tendo assumido protagonismo cerca de quatro séculos depois, durante a era da Reconquista Cristã. 





Imagem nº 3 - Cavaleiro cristão faz a sua própria oração antes de ir para a batalha.
Iluminura medieval





Imagem nº 4 - Gundesindo Éris foi um nobre influente no Noroeste Peninsular. Desconhece-se se chegou a combater os muçulmanos durante a Reconquista, mas fundou na nossa região dois mosteiros, o que comprova o seu zelo cristão.




Carreiras de Hermerico e Gundesindo adaptam-se ao perfil colectivo das nossas terras?

Dada a escassez de dados para a Alta Idade Média, será certamente ingrato traçar os perfis psicológicos do rei suevo Hermerico I e do Conde Gundesindo Éris, mas podemos imaginar os seus principais atributos tendo em conta aquilo, ainda que pouco, que conhecemos sobre os seus respectivos percursos.
Hermerico não foi um soberano suevo qualquer, foi efectivamente um "rei forte". Estamos perante a vida de um homem que demonstrou arrojo, que não hesitou em arriscar, trazendo o seu povo desde o Reno até ao Noroeste Peninsular da Península Ibérica, caminhando milhares de quilómetros e enfrentando adversidades militares e climatéricas ao longo do trajecto. Através do seu carisma de liderança e da sua vocação belicista para o combate, tornou este seu sonho possível, procurando um futuro mais risonho e estável para o seu povo. Este rei suevo bem que fez legar, embora que invisivelmente, algumas destas qualidades à posterior "personalidade colectiva" de Esmoriz. O espírito combativo (embora aqui no bom sentido), a necessidade de se assumirem riscos para alcançar um futuro melhor (Esmoriz cresceu muito à custa da inovação privada, isto é, dos seus empreendedores nos mais diversos sectores) e o sonho de estabelecer a sua própria identidade estão bem presentes tanto no rei suevo como na nossa cidade que beberia do seu nome. 
Por seu turno, Gundesindo Éris foi um cavaleiro que abraçou a fé cristã com especial devoção, tendo fundado mosteiros. Também aqui os nomes de Esmoriz, e em especial, o de Gondesende, saem honrados, porque estas terras de Santa Maria sempre foram fiéis à fé cristã, esperando que a oração e os feitos repletos de altruísmo merecessem a complacência e a intercessão de uma dimensão superior.
Em jeito de síntese, a comunidade de Esmoriz é, por outras palavras, batalhadora, gosta de correr riscos para inovar, é crente, e acima de tudo, faz transparecer a sua identidade independente. Esmoriz adopta o perfil colectivo de um "rei forte", de alguém que do nada toma a decisão drástica de deixar o lugar de conforto para encetar uma longa caminhada, cheia de riscos, esperando no fim chegar a um destino glorioso que gratifique todo o afinco e sacrifício observados.





Imagem nº 5 - O povo de Esmoriz nunca virou a cara à luta, evoluindo moldado na fé cristã e batalhando contra todas as adversidades, de modo a que a sua "migração temporal" chegasse a bom porto.
Foto antiga datada do início do século XX




A inexistência de uma memória histórica

Apesar da presença destas designações toponímicas, a verdade é que não subsiste em Esmoriz qualquer memorial ou monumento que faça alusão ao rei suevo Hermerico, presumível inspirador do nome da nossa cidade, e ao conde Gundesindo Éris, inequívoco influenciador da designação do lugar de Gondesende.
Em tempos, alertamos aqui para essa situação até porque estão em causa as raízes e as próprias identidades de Esmoriz e Gondesende. Apesar de existirem mais "Esmorizes" na Península Ibérica, a verdade é que a nossa povoação foi a que alcançou um estatuto mais importante, não sendo um lugar ou uma mera referência toponímica, sendo assim cidade desde o ano de 1993 e tendo até aspirado a ser município em 2003. Esmoriz é a terra que mais elevou o nome do rei Hermerico, graças ao seu maior protagonismo face às outras localidades com designação idêntica. 
Mas ainda falta prestar a verdadeira homenagem aos "pais nominais" de Esmoriz e Gondesende.


Alguns dos nomes com designação igual ou semelhante a Esmoriz:


Em Portugal:

Esmeriz - antiga freguesia do concelho de Vila Nova de Famalicão e com 2 218 habitantes. Foi unida à freguesia de Cabeçudos, formando a União das Freguesias de Esmeriz e Cabeçudos com sede em Esmeriz.

Esmoriz - rua e lugar sitos no município de Marco de Canaveses.

Esmoriz - nome de lugar e ponte românica instalados no concelho de Baião.




Imagem nº 5 - A Ponte de Esmoriz no concelho de Baião integra a Rota do Românico.



Na Galiza/Corunha:

San Xillao de Esmoriz - é uma paróquia do concelho de Chantada na Província de Lugo. Tinha 53 habitantes em 2016. O seu principal ponto de interesse é a Igreja de San Xillao de Esmoriz, construída no século XVIII. 

Esmoriz - lugar da paróquia de Bacoi no concelho de Alfoz, também na Província de Lugo. Tinha apenas 4 habitantes em 2011.

Esmoriz - lugar da paróquia de Mourentán, no concelho de Arbo, na Província de Pontevedra. Em 2015, tinha 6 habitantes.

Esmoriz - lugar da paróquia de San Pedro da Torre no concelho de Padrenda.

Esmoriz - lugar da paróquia de Besexos, no concelho pontevedrês de Vila de Cruces. Segundo o INE, em 2008 tinha 16 habitantes.

Esmorís - lugar da paróquia de Cesullas no concelho de Cabana de Bergantinõs (Província da Corunha). Tinha 16 habitantes em 2016.

Esmorís - lugar da paróquia de Fisteus no concelho corunhês de Curtis da comarca de Betanzos. Tinha 6 habitantes no ano 2010.




EsmorizConxunto.jpg

Imagem nº 6 - A Igreja Rural de San Xillao de Esmoriz na Província de Lugo.
Créditos - Wikipédia

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