sexta-feira, 21 de junho de 2013

Enigmas do Cusco III - O El Dorado

Quem é que não gostaria de descobrir o caminho para o El Dorado? Nos dias de hoje, se vencermos o Euro Milhões, atingiríamos um nível máximo de satisfação que seria talvez equivalente à dos espanhóis, caso estes, durante a Época dos Descobrimentos, tivessem inteiro sucesso (o que nunca aconteceu!) nas investigações direccionadas para a localização da suposta Cidade do Ouro, repleta de tesouros cobiçados, desde sempre, por toda a Humanidade. Parece que a lenda partiu inicialmente de alguns índios que, em má hora e com argumentos imprecisos, alimentaram uma epopeia junto dos novos colonizadores, que só lhes viria trazer dissabores.
Para alcançar o El Dorado, os conquistadores espanhóis estavam dispostos a tudo. Encetaram jornadas por muitos espaços da América do Sul. Mais tarde, os ingleses também seguiriam esse objectivo irreal. 
A crença neste mito parecia radicar no facto de existir muito ouro e prata na América e como os índios não davam muito valor a estes metais preciosos, era possível que estes tivessem construído uma cidade com templos e ruas à base de ouro (este seria utilizado enquanto material de construção).
Esta utopia conduziu vários conquistadores e índios à morte. Era evidente que os trajectos explorados eram exactamente aqueles que ainda estavam por conhecer. Logo, o risco era muito maior. As tribos desses locais, pouco incomodadas até então, estariam dispostas a resistir aos invasores. 
O ouro foi uma obsessão dos conquistadores e colonizadores europeus que chegaram a ameaçar e até explorar duramente os índios para atingir esse fim. 
Neste âmbito, achei por bem recordar a célebre pregação do dominicano António de Montesinos em 1511, na Ilha La Española (actualmente repartida pelo Haiti e República Dominicana), que foi dirigida aos conquistadores espanhóis:


«Todos vós estais em pecado mortal. Nele viveis e nele morrereis, devido à crueldade e tiranias que usais com estas gentes inocentes. Dizei-me, com que direito e baseados em que justiça, mantendes em tão cruel e horrível servidão os índios? Com que autoridade fizestes estas detestáveis guerras a estes povos que estavam em suas terras mansas e pacíficas e tão numerosas e os consumistes com mortes e destruições inauditas? Como os tendes tão oprimidos e fatigados, sem dar-lhes de comer e cura-los em suas enfermidades? Os excessivos trabalhos que lhes impondes, os faz morrer, ou melhor dizendo, vós os matais para poder arrancar e adquirir ouro cada dia... Não são eles acaso homens? Não têm almas racionais? Vós não sois obrigados a amá-los como a vós mesmos? Será que não entendeis isso? Não o podeis sentir? Tende por certo que no estado em que estais não tereis melhor sorte do que os turcos e mouros que não querem a fé de Jesus Cristo" 


Tal homilia corajosa valeria duras críticas da parte de muitos colonizadores que estavam dispostos a ignorar os princípios da religião cristã, para seguir a incompreensível filosofia do ouro. Alguns mataram, violaram, esquartejaram quem lhes atravessasse no caminho para o utópico El Dorado. A maior parte dos invasores europeus (não podemos falar só dos espanhóis, pois os colonizadores desprovidos de valores poderiam variar de nacionalidade para nacionalidade) não conhecia os valores que norteavam a ética. No pensamento de muitos aventureiros, o El Dorado assumia-se como algo bem mais importante do que a própria Bíblia. Claro que, como em tudo, houve felizes excepções à regra. O já mencionado António de Montesinos (1475-1540) foi o primeiro a encabeçar a luta pela defesa dos direitos dos índios. De seguida, e ainda no âmbito da colonização espanhola, temos o missionário dominicano Bartolomé de Las Casas (1474-1566) que, apesar das ameaças e perseguições de que fora alvo, redigiria algumas obras (de entre as quais - a Brevísima relación de la Destrucción de las Indias), repletas de diversas acusações imputadas a inúmeros proprietários e funcionários da Coroa responsáveis por presumíveis abusos ou atrocidades sobre os índios. De facto, ganharia inúmeras inimizades, até no seio do próprio clero espanhol da altura que nem sempre se revia na sua causa. 
No caso português, encontramos o Padre António Vieira (1608-1697) que professaria no Brasil, opondo-se à escravatura indígena. Não hesitará em censurar os vícios dos colonos portugueses, nomeadamente a soberba, o orgulho, a presunção, a ambição e a traição. 
Em suma, os direitos dos indígenas inicialmente foram invocados por aqueles que, com extrema coragem e erudição, procuravam mudar o status quo nas colónias. Foram intimidados, ameaçados, perseguidos, mas é certo que os seus nomes são actualmente recordados, não em estátuas de ouro, mas pelos seus feitos nobres que valem bem mais do que o El Dorado, mítico local que afinal apenas existiu nas mentes ambiciosas dos conquistadores, o que lhes deturparia o bom senso.


El Dorado

Imagem nº 1 - O El Dorado foi uma mera construção utópica alimentada pelos aventureiros europeus.



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