quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Futebol, Política e Cultura em Portugal

Ontem, decorreu o Portugal-Irlanda que terminou empatado (1-1). Não vi o jogo até porque estava ocupado com outras questões. Mesmo assim, soube que o estádio estava cheio com cerca de 50 mil adeptos que não se deixaram intimidar mesmo com um tempo adverso. O preço dos bilhetes podia variar entre os 10 e 20 euros. Exposto isto, é caso para perguntar, onde está a crise? As pessoas queixam-se, mas depois fico estupefacto quando vejo os centros comerciais e os estádios de futebol lotados. 
Como já repararam, eu não sou muito dado ao futebol nem a qualquer desporto em especial. É claro que observo, de vez em quando, alguns jogos, mas não lhes concedo uma significativa importância. Afinal, existem assuntos bem mais importantes do que uma simples partida de futebol. Às vezes, reconheço que a minha alma fica parva quando vejo adeptos de clubes de futebol que quase se matam para defender o seu clube. E eu pergunto - o futebol dá de comer a todos os portugueses? o futebol oferece emprego ao povo? Antes pelo contrário, extrai dinheiro aos seus seguidores. Graças a Deus que não contribuo para esse peditório! Se tivesse meios financeiros, preferia antes empregar dinheiro numa fundação cultural credível. 
Enquanto essas 50 mil pessoas estavam "religiosamente" a assistir ao jogo, estavam a ser conhecidas as novas do orçamento de Estado que será ainda mais penalizador para os portugueses em 2013. Aliás, os governos menos consensuais gostam muito do futebol, enquanto "meio de distracção" do povo. Não podemos cair nessa armadilha. O povo tem que participar mais activamente na política, exigir aos deputados mais seriedade, coerência e também sacrifícios. Está na altura de reclamarmos melhores condições de vida para nós e nossos futuros filhos ou netos! Temos que intervir, cada vez mais, nesse diálogo que se requer construtivo. Só assim podemos mudar a mentalidade do nosso país.
Sinceramente, os resultados da selecção não captam muito a minha atenção. Desejo-lhes sorte, mas não é a selecção que vai resolver os problemas do país e das famílias. Aliás, se a selecção representasse os portugueses, deveria ter pelo menos, 16% de desempregados e 25-30% de pessoas pobres nas suas fileiras. Se assim fosse, eu até vibrava quando visse um desempregado a marcar um golo à Alemanha ou à França! Até dançava se fosse preciso! A selecção só chama os elitistas, aqueles que são pagos a peso de ouro nos seus clubes. São esses que representam o nosso país, cada vez mais pobre?
E como era a selecção da Irlanda do Norte? Obviamente, muito mais modesta visto que era maioritariamente constituída por jogadores que alinhavam em divisões inferiores de Inglaterra/Reino Unido ou até no campeonato amador da Irlanda do Norte. É verdade que a nível económico não estão muito melhores do que nós, mas a verdade é que têm uma taxa de desemprego inferior. 
E o que dizer do protótipo dos países nórdicos? Na Noruega, Suécia e Finlândia, o futebol é maioritariamente amador. Não têm grandes selecções, mas lá está, têm um nível de vida invejável. O desemprego é uma realidade praticamente inexistente naqueles países (por exemplo, na Noruega o desemprego ronda apenas os 3%). A cultura e as tradições ancestrais desses países são muito mais valorizadas. Existe ainda uma mentalidade mais colectiva e coerente. Aliás, eles sabem gerir bem os seus destinos.
E Portugal - tem um futebol para ricos, e um país, cada vez mais, para pobres! 
Qual destas duas realidades preferem? Eu já fiz a minha escolha. E vocês?
Alguns irão acusar-me de ser utópico ou sonhador, mas Portugal já foi um dos países mais ricos do Mundo. Nos séculos XVI-XVIII, os antepassados do Cusco de Esmoriz e de todos vós, acediam ao ouro do Brasil e da Guiné e às especiarias tão cobiçadas do Oriente (caso da Índia), e extraíam ainda novos conhecimentos das diferentes culturas presentes nos quatro cantos do mundo! Os portos portugueses eram constantemente invadidos por italianos, germânicos, ingleses, todos eles curiosos e desejosos de adquirir essas mercadorias exóticas provenientes de mares e territórios longínquos! De facto, eram outros tempos! Mas os portugueses sempre foram maus gestores, mesmo quando tiveram o mundo nas suas mãos. Ah maldito D. João V (1689-1750) que recebeste o cognome de "Magnânimo" e que estouraste o ouro e o dinheiro todo de forma a satisfazer os teus caprichos. Seu rei maluco, que andasses atrás das freiras (segundo dizem alguns manuais da história, ele era "freirático"), não me diz respeito, mas que só investisses toda a fonte de riqueza para assegurar todas e mais algumas luxuosidades na tua corte, isso foi deveras ruinoso e inadmissível! Construíste o imponente convento de Mafra, à custa de mais um investimento irrealista! Ah que gestão tão danosa!
E o que dizer de D. Afonso V (1432-1481)? O rei (cujo cognome era o "Africano") que preferiu apostar todo o investimento nas campanhas em Marrocos que só deram prejuízo a nível financeiro (apesar de algumas importantes conquistas)! Era sangue derramado até dizer basta, sem que se avistasse qualquer retorno económico. Só há terceira tentativa, conquistamos a estratégica praça de Tanger, sendo que numa delas, perdemos irremediavelmente o Infante Santo D. Fernando, votado à escravidão. Porque é que D. Afonso V não decidiu antes privilegiar a Costa Ocidental Africana rica em ouro, diamantes e escravos (infelizmente, estes também eram encarados como mercadorias valiosas nestes tempos mais recuados)? As feitorias implantadas no actual Gana, Guiné e Costa do Marfim eram totalmente rentáveis!!! Mas D. Afonso V preferiu derrubar e eliminar o Regente D. Pedro (na batalha de Alfarrobeira) que defendia estes planos mais oportunos para o desenvolvimento económico do nosso reino. O infante D. Pedro tinha toda a razão quando disse que "Ceuta (Marrocos) era um sorvedouro de gente e dinheiro". Quantos cavaleiros partiram para a Cruzada do Norte de África e quantos regressaram? Quanto dinheiro a Coroa Portuguesa teve que investir para garantir o envio e manutenção de importantes armadas em Marrocos? E já agora quantos castelos e outras grandes estruturas não foram levantadas à custa dos esforços dos portugueses? O melhor exemplo disso é a Cidade de Mazagão (actual El Jadida em Marrocos), de construção portuguesa e que é actualmente Património da Humanidade (ver site da UNESCO em http://whc.unesco.org/en/list/1058).


Ficheiro:El Jadida cistern.jpg

Imagem nº 1 - Praça-Forte de Mazagão/Cisterna de estilo manuelino. Este espaço ainda permanece intacto e tem um grande valor cultural, mas a maior parte das estruturas portuguesas terão sido destruídas irremediavelmente com os conflitos entre cristãos e muçulmanos.


Por isso, facilmente concluímos que os portugueses nunca souberam gerir bem os seus próprios destinos, mesmo em tempo de "vacas gordas", mesmo quando estávamos no topo mundial! Isto sempre aconteceu, desde a Idade Média até à actualidade. Quando estávamos bem, não soubemos poupar nem pensar no futuro. Fomos uns gastadores de primeira e pensamos apenas nos nossos interesses. Vivemos acima da realidade e agora estamos a pagar a factura. 
Sinceramente, acredito que voltaremos a ser uma nação com um nível de vida agradável (pode durar várias décadas ou até séculos até que isto se torne realidade), mas para isso temos que lutar - não com armas como Otelo de Saraiva sugeriu, mas através do dom da palavra. Devemos participar mais nas actividades culturais e debater construtivamente as questões políticas. Ignorá-las, por muito tentador que seja, será um péssimo sinal porque assim nunca mudaremos o nosso país. É necessário a união de todos para enfraquecer o chico-espertismo, os tachos, a corrupção, as cunhas e outras coisas que tornam o nosso país um espaço pouco agradável.


Imagem nº 1 - O que interessa um jogo de futebol, quando o nosso país vive uma realidade bastante crítica?
Retirado de: http://www.zerozero.pt/jogo.php?id=2074425, foto da autoria de Catarina Morais

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